Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Dois Gracilianos


Findo o almoço, busco a avenida Jabaquara olhando lojas, carros, novidades e esquentando ao sol. A fome no estômago já não incomoda, mas a outra, aquela sem nome, me empurrou para o sebo do outro lado da avenida. Atravessei e cumprimentei dois senhores atrás do balcão, pareciam irmãos ou cúmplices, falavam baixo, como quem guarda segredos entre páginas. O prédio, inclinado de cansaço, exalava mofo, papel e mistério. Corri as prateleiras para ver se algo me chamava a atenção. O cheiro impregnava minhas narinas. Nunca sou bom em descobrir livros nesses ambientes. Percorro as lombadas como quem busca o que, talvez, não exista.
Até que, fora da ordem, atitude de alguém que ia levar e desistiu, encontrei dois Gracilianos de capa dura: Caetés e Insônia. Pronto. Vou levar! Olhei mais algumas prateleiras e dirigi-me ao caixa.
Vinte e cinco reais.
Crédito, já pensando em acumular milhas.
Cuidadosamente, pegou um paninho umedecido em álcool e limpou os livros.
Para tirar a poeira.
O outro senhor, meticulosamente, embrulhava alguns livros novos. Provavelmente para despachar.
Tudo certo, antes que eu saísse, pediu que tirasse um papelzinho de um pote. Vacilei. Poderia ser de mau agouro. Lembrei-me de minha avó.
Pode levar, é seu.
Abri a sacola, entrevi os dois livros e guardei o bilhete entre as páginas de Insônia.
Segui em silêncio, como quem encontra, sem saber, aquilo que procurava.
Fernando Dezena
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