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Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Quadros, fotos e cartas
São João da Boa Vista|cultura|11/07 13:38|78 visualizações
Nunca fui de catar coisas pelas ruas. Ou, pelo menos, era o que eu achava. A poeira da calçada nunca me trouxe nada que valesse levar para casa. Nem um quadro, nem uma moldura com história. Manhã fria de inverno na Mooca. A névoa cinzenta apagava as pontas dos prédios distantes. Parti para o trabalho. A aragem fazia com que me encolhesse na blusa, esperando o verde do sinal para os pedestres. Todos os dias, o mesmo caminho do prédio ao estacionamento. Difícil deixar pegadas no asfalto.


Antes do portão, junto à cesta de ferro que abriga o lixo dos prédios, fotografias e folhas espalhadas pelo chão. Restos de uma sacola que se rompeu, provavelmente. Não me contive. Olhei para os lados, para a porta do prédio, portaria eletrônica e me decidi. Agachei e recolhi três documentos: uma mulher e uma criança sobre uma ponte, captadas de longe, sem pose, como flagradas por acaso. Era uma foto antiga, monocromática, daquelas quadradas com bordas picotadas. O segundo, meio cartão postal vindo da cidade de Bauru.


A caligrafia remeteu à da minha mãe. Cortado transversalmente, não me trazia toda a notícia. Contava ao irmão que estavam bem, que sentia uma alegria enorme: Fui campeão, e ganhei um filho homem. Manda abraços para a Neta e um trecho ilegível, assina Lima. O último documento, datado de 1990, não pela mesma caligrafia, é uma singela carta de Andreza para sua avó. Letras grandes espalhadas, diz que gosta muito dela e que ela é a sua segunda mãe, que só tem ela de avó e termina com um: Te adoro vovó. No canto inferior esquerdo, uma fileira de corações infantis para eternizar o afeto.


Entrei no carro, joguei os papéis no console e, por um instante, pensei em voltar., vasculhar mais fotos, mais cartas, seguir as migalhas daquela história antes que se perdesse para sempre. Mas não voltei. Por que motivo jogaram fora tantas recordações?


Fico pensando nos meus penduricalhos. São muitos, mas que fazem sentido só para mim. Quem vai querer guardá-los? Talvez, como aquelas fotos e cartas, acabem jogados num canto qualquer de calçada. E, se der sorte, um escritor os recolha. Se não tiver pressa, talvez virem uma crônica. Com muito tempo, quem sabe, um romance. E sempre, cobertos pela poeira dos dias.


Fernando Dezena

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