Do Cafofo do Dezena - Crônica Viva - Temporal


Vindo pela Dutra, após deixar amigos em Guarulhos para o voo, vi, ao longe, as nuvens assustadoras se formarem. Na CBN, a notícia de que a chuva caía forte em áreas da região metropolitana, principalmente Mauá e ABC. No celular, a única coisa que as autoridades sabem fazer, mandar o alerta. Regozijam-se com o dever cumprido. Pelas ruas do Tatuapé, pessoas   corriam   para   se   abrigar.
Alguns traziam  guarda-chuvas, sombrinhas, outras foram pegas desprevenidas e se instalaram sob marquises, dentro de lojas, porta de restaurantes. O limpador do carro batia insistente da esquerda para a direita, da direita para a esquerda, criando um ambiente de monotonia dentro do caos. O menino da escola, mochila nas costas, uniforme azul, esticava o braço para molhar a mão na enxurrada em cachoeira das telhas.
Bairros ricos sofrem transtornos, mas não há tragédia. Ela acontece nos periféricos, onde as construções improvisadas avolumam-se pela necessidade de um lar. Famílias, com tão pouco, perdem o pouco que têm. No dia seguinte, sempre há o dia seguinte, tiram a lama dos pequenos cômodos, recomeçam. Se há alguém para procurar, levado pelas águas, alguém a ser velado, sob um carro, tudo se ajeita na dor.
Depois, quietos, ao cair da tarde, quase noite, esperam a próxima chuva.
 
 
Fernando Dezena
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