Coisas repetitivas têm me irritado. Talvez procure um médico. O homem do jaleco branco, estetoscópio sobre o peito, após minuciosa análise, receitará uma pílula mágica que me fará aceitar como normais essas incongruências da vida. Dia desses, comentei em uma crônica o tanto que me incomoda ouvir os mais diversos e afamados âncoras do rádio, que acompanho ao volante do carro, usarem a expressão: ao longo. A palavra durante foi abolida. Ao longo desta edição, ao longo do dia, ao longo do jornal etc. Considero, irremissível. Cada vez que escuto, meu tímpano treme indignado.


Não, não estou exagerando. Vejam o caso que ocorreu nas minhas férias. Na casa onde fomos criados, em Águas da Prata, acompanhado de meu cunhado Antônio Carlos, hábil advogado, reclamei que o sabiá, que trinava em uma árvore, não conseguia entoar uma nota diferente. Era o mesmo: tio tio tio. Estancou e, após o silêncio imposto, observou: Preste atenção, ele faz algumas variações. Viu, percebeu? Não vi e não percebi. Depois, o verbo não era ver e, sim, ouvir. Vocês acham isso normal?


Pensando bem, qual especialidade médica poderia cuidar do caso. Acredito que penda para a psiquiatria. Podem ser marcas da infância, tenra idade, algo que ficou em mim incrustado, como quando, no quinto ano, obrigaram-me a decorar os verbos. Pensam que foi fácil? Todas as conjugações presentes, pretéritas e futuras. Não aprendi muito, mas ficava horas e horas lendo. Fechava os olhos e repetia incessantemente. Talvez a tabuada: dois vezes dois: quatro. Três vezes três: nove. Sete vezes sete (pensava um pouco): quarenta e nove. Até hoje escorrego, tanto nos verbos quanto nas contas. Salvam-me o Google e a HP12C.


Se não bastasse, surgiu, de repente, assim do nada, um remédio milagroso para todos os males. Não suporto mais ouvir propagandas enumerando seus benefícios: Ora-pro-nóbis. Se mudo de estação: Ora-pro-nóbis se abro o celular: Ora-pro-nóbis. Agora, invade-me por e-mails massificados: Ora-pro-nóbis. Bloqueei, mas sempre acham um jeito de furar meu domo de ferro.


Sei que temos coisas mais importantes para nos preocupar: guerra, fome, mudanças climáticas, desonestidade na política, apagão na cidade. Mas, este espaço é para as crônicas de domingo. Não quero meus leitores irritados logo cedo, cedo, cedo. Não, com o Legião Urbana nunca me irrito.
 
Fernando Dezena