Nosso Bar e o Bauru de Lombo
A cena a seguir descrita aconteceu não raras vezes entre o fim dos anos 1970 e começo dos 1980. Bar do Formiga, rua Coronel Ernesto de Oliveira, por volta das 18h45. Minha mãe estacionava a Variant defronte ao boteco e incumbia-me de fazer o pedido habitual: três baurus.
Na velha baiuca de mobiliário surrado, a lousa informava os resultados dos treze jogos da loteria esportiva, a TV em preto e branco passava algo que ninguém assistia. Cardoso e Formiga, os idosos proprietários que tinham na parede placas veiculares com seus nomes de guerra, olhares cansados ao longe, estavam sentados. Três baurus, seu Formiga, este já faminto moleque demandava ao senhor de semblante fechado. Bauru eu só começo fazer às sete, espera um pouco. Não havia outros fregueses no bar, eles não tinham afazeres, mas nada poderia subverter o ritual sagrado de só começar a faina dos baurus às dezenove horas, nem um minuto antes.
Os badalos do sino da igreja do Perpétuo anunciavam o momento crucial. A minúscula chapa era vigorosamente raspada e logo acesa. Lindeza era ver a habilidade do ancião não tenho recordação de quem fazia os baurus, na verdade eu nem sabia quem era quem fritando a carne de porco, derretendo o queijo prato, selando o tomate, recheando o pão francês, cortando a obra ao meio e embalando as delícias para viagem em papel pardo.
Adolescente, tempos depois, caí de paixão pelo bauru do Jorge, no velho Canecão, mas jamais minhas papilas sentiram algo parecido com o bauru do Formiga.
Convicção tenho de que o bauru de lombo é uma iguaria genuinamente crepuscular. Lombo, queijo prato ou mozzarella e tomate cebola é opcional no pão francês é acepipe que se vê há décadas em bares e lanchonetes desta província. Até nos botequins da periferia o bauru tem essa receita consagrada.
Da velha-guarda baurueira, digamos assim, Bar do Formiga, Bar Teatro, Bar da Rodoviária, o velho Canecão do Jorge Nicolau, Nosso Bar, todos merecem menção e ajudaram a construir a tradição do sanduíche de lombo em São João da Boa Vista. Dos citados, só o Nosso Bar permanece aberto, tocado pela mesma família e fiel às origens.
Não consegui apurar ao certo o ano de fundação do Nosso Bar na praça Governador Armando Salles de Oliveira. Foi aproximadamente entre o fim da década de 1950 e começo dos anos 1960.
Em 1974, o mineiro José Maria de Carvalho, o popular Zezinho, que tinha histórico de suor no ramo, comprou o estabelecimento. No pacote da aquisição estavam o bauru de lombo e o chapeiro Nelson Bastoni, que viria a ser um dos melhores amigos de Zezinho. Evidências existem indicando que, nalgum momento, intuitivamente ou por sugestão de frequentador, o talentoso Nelson forjou, sob a coifa do Nosso Bar, o lanche de carne suína que é um símbolo deste povoado do mais lindo sol poente.
Quando Zezinho tomou posse do Nosso Bar, ele reverenciou aquele sanduíche que reinava no balcão. O tempero do lombo foi levemente aperfeiçoado sem agredir a essência aromática que tanto deleitava.
Na praça, à sombra da torre da Catedral, Zezinho, desde sempre auxiliado pelo rebento Tarciso, comandou o Nosso Bar até 1980, quando o Bradesco comprou o imóvel. Com a forçosa saída veio o prédio próprio no número 226 rua Coronel Ernesto de Oliveira, onde o negócio funciona até hoje, onde o bauru continua reinando.
Zezinho faleceu precocemente em 1996. O filho que lidava a seu lado, o discreto José Tarciso de Carvalho, apoiado pelos irmãos Inez e Sílvio, assumiu o bar desde então. Nestes cinquenta anos sob a batuta do clã Carvalho, o Nosso Bar preserva dignamente esse sanduba que rompe gerações, que é um patrimônio cultural de São João da Boa Vista e que está definitivamente gravado no paladar afetivo de seus habitantes. Nosso é o Nosso Bar!
 
Foto: José Tarciso de Carvalho do Nosso Bar, da velha-guarda baurueira
texto: Lauro Augusto Bittencourt Borges, bancário e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista
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Os badalos do sino da igreja do Perpétuo anunciavam o momento crucial. A minúscula chapa era vigorosamente raspada e logo acesa. Lindeza era ver a habilidade do ancião não tenho recordação de quem fazia os baurus, na verdade eu nem sabia quem era quem fritando a carne de porco, derretendo o queijo prato, selando o tomate, recheando o pão francês, cortando a obra ao meio e embalando as delícias para viagem em papel pardo.
Adolescente, tempos depois, caí de paixão pelo bauru do Jorge, no velho Canecão, mas jamais minhas papilas sentiram algo parecido com o bauru do Formiga.
Convicção tenho de que o bauru de lombo é uma iguaria genuinamente crepuscular. Lombo, queijo prato ou mozzarella e tomate cebola é opcional no pão francês é acepipe que se vê há décadas em bares e lanchonetes desta província. Até nos botequins da periferia o bauru tem essa receita consagrada.
Da velha-guarda baurueira, digamos assim, Bar do Formiga, Bar Teatro, Bar da Rodoviária, o velho Canecão do Jorge Nicolau, Nosso Bar, todos merecem menção e ajudaram a construir a tradição do sanduíche de lombo em São João da Boa Vista. Dos citados, só o Nosso Bar permanece aberto, tocado pela mesma família e fiel às origens.
Não consegui apurar ao certo o ano de fundação do Nosso Bar na praça Governador Armando Salles de Oliveira. Foi aproximadamente entre o fim da década de 1950 e começo dos anos 1960.
Em 1974, o mineiro José Maria de Carvalho, o popular Zezinho, que tinha histórico de suor no ramo, comprou o estabelecimento. No pacote da aquisição estavam o bauru de lombo e o chapeiro Nelson Bastoni, que viria a ser um dos melhores amigos de Zezinho. Evidências existem indicando que, nalgum momento, intuitivamente ou por sugestão de frequentador, o talentoso Nelson forjou, sob a coifa do Nosso Bar, o lanche de carne suína que é um símbolo deste povoado do mais lindo sol poente.
Quando Zezinho tomou posse do Nosso Bar, ele reverenciou aquele sanduíche que reinava no balcão. O tempero do lombo foi levemente aperfeiçoado sem agredir a essência aromática que tanto deleitava.
Na praça, à sombra da torre da Catedral, Zezinho, desde sempre auxiliado pelo rebento Tarciso, comandou o Nosso Bar até 1980, quando o Bradesco comprou o imóvel. Com a forçosa saída veio o prédio próprio no número 226 rua Coronel Ernesto de Oliveira, onde o negócio funciona até hoje, onde o bauru continua reinando.
Zezinho faleceu precocemente em 1996. O filho que lidava a seu lado, o discreto José Tarciso de Carvalho, apoiado pelos irmãos Inez e Sílvio, assumiu o bar desde então. Nestes cinquenta anos sob a batuta do clã Carvalho, o Nosso Bar preserva dignamente esse sanduba que rompe gerações, que é um patrimônio cultural de São João da Boa Vista e que está definitivamente gravado no paladar afetivo de seus habitantes. Nosso é o Nosso Bar!
 
Foto: José Tarciso de Carvalho do Nosso Bar, da velha-guarda baurueira
texto: Lauro Augusto Bittencourt Borges, bancário e membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista
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26/09 08:58
O melhor bauru da cidade tem para ninguem
26/09 09:13
Show Lauro
Ricardo Estefani
São João da Boa Vista
26/09 09:19
Escrever aqui nesse espaço é pouco ,,a gratidão de ter o Tarciso ( Ciso ) de amigo e um irmão, é linda a historia de pai e filho fazendo um saboroso lanche, não tem outro igual... Deus ilumine sempre seu caminho e de sua familia.. eu não tenho um vizinho de comercio e sim um amigo de fé ..um irmão camarada
Biro Liro
São João da Boa Vista
26/09 09:23
Da velha-guarda baurueira, só faltou citar o Bar do Colombo.
26/09 09:51
Muito bom o texto !
Parabéns !!
Alceu S. Alves.
São João da Boa Vista
26/09 10:13
maravilhoso
Roberto batista bertolucci
são João da boa vista
26/09 10:55
Muito bem escrito o texto. Parabéns Lauro. Cada descrição sua, a gente se vê no tempo. Dá pra sentir o cheiro do bauru.
26/09 11:00
O delivery é bom
Mas nada como comer o bauru no local!
Jaime Francisco
São João
26/09 11:17
Tenho um irmão que reside em Poços de Caldas mg que trabalhou com o Sr Zezinho e o Nelson no bar na praça da Catedral.
edson trioni
São João da Boa Vista
26/09 12:19
gostei demais da reportagem, e homenagem, comi e como muito esse bauru, excelente
26/09 12:54
Parabéns por seu conhecimento em relação a história de São João e por lembrar e relembrar de tantos bons e excelentes, sofisticados ou não, estabelecimentos de nossa cidade, do passado e atuais. E obrigado pelo carinhoso texto!!!
José Salomão Fernandes
São João da Boa VistaCampinas
26/09 18:34
Meu caro Lauro, o Nosso Bar já existia na Década dos anos 40, pois em 1951, quando eu tinha 12 anos, fui admitido para trabalhar no Bar do Enéas e, nessa época, o Nosso Bar já era velho na Praça Governador Armando Salles.
Daniel Tozatto
São José do Rio Preto
26/09 19:01
Tive o prazer de trabalhar por alguns anos junto à família Carvalho no nosso bar
Giovanni Battaglini
São João da Boa Vista
27/09 07:33
Minha família é cliente do nosso bar a gerações. Desde quando meu avô era vivo nós nos deliciamos com os baurus deles e desde quando eu era criança e morava em Mogi Guaçu tenho boas lembranças desse sanduíche. Acho que vou comer um hoje mesmo!!!
José Lucas Telles Barros
São João da Boa Vista - SP
27/09 16:07
Tive o prazer de conhecer o Zé Maria e estudar com o Ciso e frequentar sua casa, travessa da D. Pedro.
Na época era o Bar Theatro.....
Conhecido
São João da Boa Vista
28/09 10:03
Não é só Bauru que é bom não. A família inteira são pessoas de um coração imenso, onde existe amor existe qualidade, seu Zezinho homem de Deus, plantou o bom plantio e colhe até hj. Parabéns a tds do nosso Bar.
Sérgio Tavares
Capivari-sp
29/09 00:09
Caro Lauro, saudações macaúbicas ! Gostava muito, outrora, de ler sua coluna em outro jornal ! Por favor, brinde os crepusculares macaúbicos com uma coluna neste conceituado informativo ! Você tem pleno domínio da pena e cultura de sobra ! Escreva neste periódico para felicidade geral da nação dos baurus de lombo !