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Do Cafofo do Dezena: Crônica Viva - Sem Porto Seguro
São João da Boa Vista|cultura|13/04 11:28|138 visualizações
Falar o que quiser, na hora que entender, onde der vontade, é sinônimo de liberdade. Mas a minha cabeça sempre a vinculou à capacidade de ir e vir, mais ir do que vir, andar a esmo. Quando adolescentes, na nossa querida Águas da Prata, saíamos todas as tardes, após as aulas, algumas vezes durante elas, e rumávamos para as incontáveis cachoeiras que despencam na serra. Um grupo de cinco ou seis meninos, às vezes algumas meninas, e não tínhamos nenhum objetivo específico. Caminhar e conversar sobre assuntos diversos. Alguns tagarelas, como em todos os grupos, outros reservados, como eu, a buscar compreender a essência das coisas. Tento, ainda.


Depois que a literatura, em especial a poesia, ganhou significado para mim, mais pela escrita do que pela leitura, senti-me compelido a compor apenas sobre lugares que já houvera estado. Como escrever sobre uma comunidade no morro do Rio de Janeiro, sem nunca lá pôr os olhos? Ou dos grandes rios e da flora amazônica? Do mar, dos portos, dos barcos singrando lentos até sumirem no horizonte? Fui, muitas vezes, ao Rio e conheci seus morros, morei na Baixada Santista e, da varanda, observava os enormes transatlânticos ganharem o oceano ou buscarem refúgio no porto. A cidade de São Paulo, com milhares de moradores pelas ruas, que tanto me amedrontou quando criança, hoje me acolhe e inspira.


Não fui criado para resorts. Gosto de montar base e andar. Quando estive em Natal, há dois anos, fiquei em Ponta Negra. Pensei: Preciso conhecer o sertão. Amigo leitor, como um brasileiro pode morrer sem conhecê-lo? Aluguei um carro e, com Luciane e Letícia, rumamos para o Seridó, cidade de Caicó. Que fantástica natureza, castigada pela inclemência do sol e a falta de chuva.


Quando voltávamos, caiu-me um pensamento. Será que conheci o sertão? Onde estavam os moradores, os preás e Baleia. Vi na beira das estradas os casebres, mas desertos. Não parei para um café, nem para um dedo de prosa. O mesmo aconteceu quando fui ao Recife. Procurei, próximo ao Marco Zero, as vozes de Manuel Bandeira e João Cabral. Parece-me que, no alarido do povo de agora, enganei-me em acreditar tê-los ouvido.


Certa vez, conheci um rapaz que me disse ser de Catolé do Rocha, PB. Contou-me tantas histórias que cheguei a viajar pelas ruas, pelos personagens do local, pelas casas e bares. Em certo momento, cheguei a pensar: conheço Catolé do Rocha. Mas foi a imaginação de uma fala, como vem na escrita, nas veredas de Guimarães, nos costumes de Machado, nos subúrbios de Lima Barreto. Liberdade nos traz a língua solta e os pés ligeiros, mas a mente viaja sem porto seguro.


Preciso ir.
 
Fernando Dezena é escritor

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