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Do Cafofo do Dezena: Crônica Viva - O Jabuti
Águas da Prata|cultura|08/04 00:52|110 visualizações
Lendo uma crônica do Braga, descobri que cada um de nós, cada bicho, cada ser vivo não pode desfrutar das mesmas benesses. De certa maneira, me resignei. Ao ver passar pela avenida o jovem motorista em sua BMW reluzente, novinha em folha, lembrei-me do jabuti e me consolei.
Sábado é dia de feijoada, mas lídima. Não me venham com ela light. Tem de ter, além do pretinho: pé de porco, orelha, paio, carne seca, lombinho, linguiça, costela. Se faltar algum ingrediente, perde o direito de carregar o nome. Para acompanhar, importantíssima a couve picada fina, como a Maria, ajudante de primeira ordem de minha mãe, o fazia em Águas da Prata, e o torresmo. Senhor cozinheiro, não quero ensinar pesca ao ribeirinho, mas deixe-o fritar lentamente na própria gordura, mexa com energia para não grudar, use uma panela alta para não sujar (muito) o fogão e, atenção, se passar do ponto, escurece e pode jogar fora porque amarga. Para finalizar, a farinha e o molho de pimenta batido com o caldo do feijão acompanham muito bem.
Enquanto se faz o preparo, ninguém é de ferro, vá ao quintal, apanhe os limões galegos, separe o açúcar, gelo, coloque em um copo de boca larga e adicione cachaça a gosto. A primeira vai rápida, a segunda em mediana velocidade, a terceira, ao perdermos o volume dos sons emitidos, sorve-se com carinho. A patroa, ao notar que estamos juntando os ingredientes para a quarta, badala com força o sino, suspende a música e reúne a turba para alguns agradecimentos. Turba, sim, feijoada não foi feita, diferente da vingança, para se comer sozinho.
Do caldeirão fumegante para o prato, do prato para a barriga, uma vez, duas vezes, três para garantir o sustento. Feijão preto e acompanhantes, além da farinha, da couve e do torresmo. A pimenta cai divinamente bem, se na dose certa.
O volume pesado no estômago, o torpor etílico, pede uma cama. Mas, ao se deitar, tarde quente, botões da camisa fora das casas, o jeito gostoso de ficar é de barriga para cima, respeitando o seu volume, mesmo sabendo que o ronco virá. Com os olhos entreabertos, ouvindo as crianças distantes, quase embarcando no negro profundo, surge, das brumas do sono, o bichinho do velho Braga. Comer feijoada e dormir de barriga para cima não foi feito para os jabutis.
Fernando Dezena é escritor.
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