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Crônica Viva: Feliz Dia dos Pais - Do Cafofo do Dezena
Águas da Prata|cultura|15/08 12:05|134 visualizações
FELIZ DIA DOS PAIS!
 
Vivo no atropelo por natureza. Ia dizer atropelado e me lembrei do frango de Campinas, almoço em família, indicação do Lucas.
Vem irreconhecível, sem aquelas perninhas erguidas como estamos acostumados, nem cheio de farofa.
Um único grande filé no prato acompanhado das iguarias que escolhemos.
Não o filé na forma tradicional, o nome já diz: atropelado.
Muito bom!
Continuo... sou daqueles que de imediato pede e depois cumprimenta, primeiro dou a partida no carro e saio, depois coloco o cinto, experimento a comida antes dos demais, quero ser atendido pelo garçom antes de sentar-me à mesa.
Ser assim, muitas vezes, traz constrangimentos.
Na Jupan, requintada padaria na Mooca, antes de me dirigir aos pães, passo pelos frios:
-Duzentos de mortadela ceratti, cento e cinquenta de peito de peru!
-Bom dia!- De supetão o atendente retrucou.
Calei-me.
Enquanto esperava na fila dos franceses, italianos e caseiros, digeri a reprimenda.
A atendente, rosto jovial e feição atarantada, olhos pretos que de tão pretos deixavam escondidas as meninas, parou a minha frente, lado oposto do balcão:
-Pois não?
-Bom dia - respondi. Duas baguetes, um pão de queijo grande, três pães de leite.
- Parei neste ponto.
Pegou primeiro as baguetes, depois o pão de queijo, jogou nos saquinhos, pesou, marcou em uma pequena comanda.
Outra atendente competia pelo espaço, perdera a sua comanda, pediu a caneta emprestada, marcou em outra para o freguês ao lado.
- O que mais, mesmo?
-Três pães de leite e gostaria de três integral.
-Três integrais - disse dando-me as costas.
- Pode deixar.- Calou-me a outra reprimenda.
- Mais alguma coisa?
- É só
-O próximo! -  Gritou entregando-me o pedido.
Voltei para a ilha de frios ainda com o sabor amargo do primeiro bom dia e notei sobre o balcão os frios cortados.
- É meu?
- São.
- Obrigado, corintiano - Tentei quebrar o gelo.
Só faltava o caixa, fila interminável, um senhor à frente tossia dentro da máscara. Lembrei-me que estava sem. O risco de contágio, mesmo quatro vezes vacinado, é real. Preocupei-me, enquanto meditava, com os meus modos.
Dizer bom dia com um sorriso, perguntar como vai, depois entrar no mérito.
A fila extinguia-se lenta, o homem pigarreava dentro da máscara, o atendente dos frios fatiava resoluto para outros fregueses, a moça dos pães gritava: o próximo, e algumas pessoas tomavam café em mesas esparsas.
Notei outra ilha, ao lado do caixa, salada de frutas e sucos. Pensei em pedir para viagem. Solicitei à senhora de semblante professoral para guardar meu lugar.
Autorizou com um aceno. Fui em busca do pedido observando o letreiro para, ao chegar, tê-lo na ponta da língua:
- Uma salada de frutas pequena para viagem! - emendei triunfante.
- Bom dia!  - respondeu-me sem se virar.
Pensei em desistir da salada de frutas.
Passei pelo caixa sem dizer uma palavra.
Anda muito difícil a vida.
 
Fernando Dezena é escritor. Diretor da UBE -União Brasileira de Escritores, membro da Academia de Letras de São João da Boa Vista e Curador Literário do Espaço Cultural da Boca do Leão.

 
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